segunda-feira, 11 de abril de 2011

Registros de um cometa

Matemático escreveu manuscrito sobre a passagem do Halley nos céus brasileiros há 252 anos


(Pesquisa Fapesp) A ideia de um Brasil colônia sem o menor contato com o conhecimento natural – ou científico, como foi chamado a partir do século XIX – é algo que os historiadores parecem ter deixado para trás. Documentos encontrados nas últimas décadas indicam que sempre houve gente escrevendo de modo tão objetivo quanto possível sobre plantas e animais brasileiros, registrando o movimento dos astros no céu do hemisfério Sul e estudando matemática e minerais de forma semelhante ao que se fazia na Europa. Esses cientistas do passado que viveram aqui eram poucos e quase sempre estrangeiros, mas existiram. Nos séculos XVII, George Marcgrave, no Recife, e Valentin Stansel, em Salvador, produziram trabalhos publicados, admirados e citados na Europa. No século XVIII, o jesuíta português José Monteiro da Rocha (1734-1819) seguiu esse mesmo caminho e escreveu em 1759 o manuscrito Sistema físico-matemático dos cometas depois de ter observado um cometa em Salvador, onde vivia. Trata-se do célebre Halley, previsto para ser observado a cada 76 anos pelo astrônomo inglês Edmond Halley.

Monteiro era natural da Vila de Canavezes e teria vindo ainda criança para o Brasil trazido por um missionário da Companhia de Jesus. No Colégio de Salvador foi ordenado padre e usufruiu de um bom ensino de matemática – marca dos jesuítas daquela época – e de uma biblioteca com títulos atualizados, com obras de Newton, Copérnico, Descartes e Gassendi. Graças à ativa correspondência, ele sabia que o Halley deveria voltar a ser avistado no final de 1758. Mas não teve acesso ao trabalho do francês Alexis-Claude Clairaut, que fez cálculos mais precisos no início desse mesmo ano e concluiu que o cometa retornaria com um mês de atraso, ou seja, no começo de 1759. Monteiro efetivamente o viu pela primeira vez em 20 de março e fez as últimas observações no final de abril. Como não tinha as informações de Clairaut, deixou de notar que se tratava do Halley.

Como consequência dessas observações, ele escreveu o Sistema físico-matemático dos cometas provavelmente ainda em 1759 e enviou o manuscrito para Portugal. Monteiro tinha então 25 anos. Naquele mesmo ano o Marquês de Pombal, título do ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, baniu a Companhia de Jesus de todo o reino português. Mas deu aos jesuítas, como opção ao exílio, a renúncia à ordem. O jovem religioso decidiu ficar em Salvador, virou padre secular e professor público de latim e de retórica. Em meados da década de 1760 voltou à terra natal para continuar a estudar. Foi para a Universidade de Coimbra e lá fez carreira como matemático e astrônomo. Seu pendor para as ciências o levou a ser indicado para organizar a nova faculdade de matemática criada pela reforma pombalina de 1772 na mesma universidade, onde ficou responsável pelas cadeiras de mecânica e de hidrodinâmica, e, posteriormente, pela de astronomia. Em 1795 foi nomeado o primeiro diretor do Observatório Astronômico português.

Manuscrito de Monteiro

Primeira página do manuscrito e os desenhos geométricos de Monteiro




O manuscrito escrito na juventude por Monteiro da Rocha trata da natureza física dos cometas e do cálculo das efemérides com base na teoria gravitacional de Newton, utilizando um conjunto de técnicas geométricas. O texto permaneceu inédito até 1998, quando o historiador Carlos Ziller Camenietzki, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o descobriu em uma visita de trabalho à Biblioteca Pública de Évora, em Portugal. “Pedi para microfilmarem, me certifiquei de seu ineditismo e consegui publicar no Brasil”, conta Ziller. O livro saiu em 2000 editado pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast/MCT), do Rio de Janeiro. “Infelizmente não foi possível rastrear os caminhos que levaram o manuscrito a ficar mais de 200 anos esquecido.”

O historiador atenta para o fato de o tratado de Monteiro sobre astronomia ser também rico de informações sobre a cultura colonial e as atividades eruditas realizadas no período. “Esses aspectos ainda são pouco valorizados”, diz. De acordo com o matemático Ubiratan D’Ambrósio, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a quem Ziller primeiro consultou sobre a importância do religioso naquela época, Monteiro foi bom matemático e um educador influente em Portugal. “Mas ele teve mais brilho na astronomia, onde fez seus trabalhos mais relevantes”, conclui.

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