(O Globo) Um visitante cósmico inesperado acabou se tornando uma grande atração no céu neste fim de ano. Visto pela primeira vez em 27 de novembro pelo astrônomo amador australiano Terry Lovejoy, o cometa C/2011 W3 (Lovejoy) pode ser observado com o auxílio de binóculos e pequenos telescópios em boa parte do Brasil, principalmente nos estados das regiões Sul e Sudeste. Para isso, os astrônomos aconselham encontrar um local com céu claro, pouca poluição luminosa e procurá-lo no fim da madrugada e próximo do amanhecer na direção da constelação do Escorpião, a Sudeste.
- Quanto mais distante dos grandes centros urbanos, melhor - diz a astrônoma Daniela Lázaro, do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro. - Ele é um cometa brilhante para os padrões gerais, mas ainda assim muito tênue. E, com passar do tempo, vai ficar mais fraco ainda.
O Lovejoy faz parte de um grupo de cometas "suicidas" conhecido como Kreutz, homenagem ao astrônomo alemão Heinrich Kreutz, pioneiro no estudo deles, no século XIX. Acredita-se que eles são os restos de um grande objeto que deixou a Nuvem de Oort, na periferia do Sistema Solar, e foi fragmentado em sua única passagem pelas proximidades da nossa estrela, provavelmente o que ficou conhecido como “o grande cometa de 1106”.
Desde que foi lançado, em dezembro de 1995, o observatório solar SOHO, da Nasa, detectou mais de 2 mil cometas do tipo Kreutz, também chamados de “sungrazers”, rumando para o Sol, a um ritmo de cerca de um a cada três dias. O Lovejoy, porém, é o primeiro em quase 40 anos que foi detectado por observações em terra antes de atingir o periélio, isto é, o ponto de maior aproximação da nossa estrela. Em 1965, o último sungrazer visto da Terra antes do periélio, o Ikeya-Seki, ficou tão brilhante que podia ser observado a olho nu apenas bloqueando o Sol com a outra mão (é bom lembrar que nunca se deve olhar diretamente para o Sol, muito menos com instrumentos óticos como binóculos e telescópios, sob o risco de ficar cego).
Os astrônomos esperavam que o Lovejoy não sobrevivesse ao seu encontro com o Sol, mesmo sendo relativamente grande para um cometa do tipo Kreutz, com estimativas iniciais de que teria entre 100 e 200 metros de diâmetro. Em geral, esses cometas são pequenas bolas de gelo, rochas e sujeira com menos de 10 metros de diâmetro, e acabam vaporizados ao se aproximarem da nossa estrela. Surpreendentemente, o Lovejoy escapou deste destino, apesar de ter passado a uma distância que pode ter chegado a apenas 120 mil quilômetros da superfície do Sol no periélio de 16 de dezembro.
- Foi um feito inédito um cometa chegar tão próximo do Sol e sobreviver - destaca Daniela. - Provavelmente o Lovejoy era bem maior do que se estimava, com 500 a 600 metros de diâmetro, e tinha uma matriz de material bastante compacto que resistiu ao encontro com nossa estrela.
Assim como todos cometas que chegam à região interior do Sistema Solar, o Lovejoy é caracterizado por uma longa cauda, que no Hemisfério Sul surge antes no horizonte. Relatos de astrônomos amadores no Brasil, Austrália e Nova Zelândia indicam que ela ocupa um arco de até 30 graus no céu, muito tênue e quase imperceptível na ponta externa, a primeira a aparecer, e ficando mais brilhante quanto mais próxima da chamada “coma”, a nuvem de vapor e poeira que encobre o núcleo do cometa, que surge por último no céu, já com o nascer do Sol.
- Quando o Lovejoy passou pelo Sol, ele foi fortemente "ativado", isto é, teve boa parte de sua crosta retirada e ficou com o gelo mais exposto. Assim, este gelo começou a evaporar mais e o cometa a ficar mais brilhante - explica a astrônoma do Observatório Nacional. - Mas essa atividade aos poucos vai parando, com a poeira se depositando novamente em torno do núcleo. Isso se o cometa não acabar se fragmentando completamente.
O cometa chegou a ter sua magnitude aparente calculada em por volta de -4, um brilho semelhante ao do planeta Vênus, um dos objetos mais brilhantes do céu. A grande proximidade do Sol nesta fase, no entanto, impedia sua observação. Atualmente, a coma do Lovejoy tem uma magnitude aparente de +4, isto é, similar à das estrelas de brilho médio para fraco no céu.
- Nenhum cometa é feito só de gelo - lembra Daniela. - Ainda assim, o Lovejoy devia ter núcleo bastante denso e coeso. Ele provavelmente perdeu quase todo esse gelo que tinha na passagem pelo Sol e uma vez eliminado esse gelo resta cada vez menos área de reflexão da luz solar.
Nas próximas semanas o cometa deve ficar ainda mais tênue, chegando a magnitudes aparentes entre +6 e +7 mesmo se aproximando cada vez mais da Terra. Segundo cálculos da Nasa, em meados de janeiro o Lovejoy deverá estar a cerca de 70 milhões de quilômetros de nosso planeta, seguindo então para uma longa viagem até os confins do Sistema Solar. Se também sobreviver a este périplo, o cometa deverá voltar a nossa vizinhança cósmica dentro de aproximadamente 314 anos.
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